Teu Mundo Solitário

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Lembra daquela noite, amor? A chuva lá fora chicoteava as janelas, e te vi encolhida no canto do sofá, os olhos fixos em um ponto distante. Perguntei o que havia, e teu sorriso, tão lindo quanto evasivo, disse que nada. Mas eu vi, senti a tua angústia como uma pontada no meu próprio peito. E ali, naquele instante, percebi que mais uma vez carregavas um fardo sozinha, um peso que eu ansiava dividir contigo.

Enfrentando tudo sozinha, no teu mundo, contigo mesma.

São tantas as vezes, meu bem. As noites mal dormidas que disfarças com um “estou cansada”, as preocupações que te consomem por dentro, silenciadas por um “está tudo bem”. E eu aqui, ao teu lado, querendo ser teu escudo, teu alívio, mas esbarro nessa tua necessidade de autosuficiência, nessa crença de que o teu mundo deve ser habitado apenas por ti.

Machuca, sabes? Machuca sentir que não confias em mim o suficiente para te vulnerabilizar, para aceitar meu apoio. Parece que, ao invés de parceiros, somos dois estranhos dividindo o mesmo espaço, cada um com suas próprias batalhas secretas. E a minha batalha é justamente essa: lutar contra essa barreira invisível que ergues entre nós, ansiar pelo dia em que finalmente permitirás que eu entre nesse teu mundo, não para lutar por ti, mas contigo. Porque, no fundo, meu amor, tua solidão também me aprisiona. E a maior dor é te amar tanto e sentir que, nas tuas próprias batalhas, eu sou apenas um espectador distante.

E eu te vejo. Vejo a sombra que se instala nos teus olhos quando a noite chega, o suspiro que escapa dos teus lábios quando acreditas que ninguém está a ouvir. Sinto o peso invisível que carregas nos ombros, curvando-te um pouco mais a cada dia, e a impotência rói por dentro, feito ácido.

Queria poder dividir essa carga, mostrar-te que não precisas ser a fortaleza inabalável a todo instante. Queria que percebesses que estender a mão não é sinal de fraqueza, mas um ato de coragem e confiança. Mas tu te entrincheiras nesse teu mundo particular, erguendo muros invisíveis que minhas palavras não conseguem transpassar. E a cada tijolo que colocas, sinto-me mais distante, mais inútil.

Dói. Dói ver-te definhar nessa solidão autoimposta, acreditar que o fardo é só teu quando meu coração grita para compartilhá-lo. Dói saber que, nessa tua busca por proteger a todos, acabas por te ferir e, inevitavelmente, feres também quem te ama. E resta-me apenas observar, em silêncio, a distância entre nós crescer, alimentada pela tua teimosia em enfrentar tudo sozinha, no teu mundo… longe de mim.